– Você precisa ver o jeito que ela olha para você. – O garoto suspirou. Havia pesar em sua voz, acima de tudo, acima da inveja e da tristeza.
– Como? – Eu sorri, ao menos um pouco.
– Como se você fosse o oceano, e ela estivesse desesperada para se afogar.
Franzi o cenho.
– Não entendo.
– É como… Como se você fosse o céu, e o ar, e pássaros cantando, e a casa dela. Sempre que contam uma piada, quando eu olho para ela rir, ela olha para você. Sempre que ela se sente desconfortável, chama seu nome. É sempre você.
Pensei um pouco antes de falar.
– Não quero afogá-la. – Conclui, por fim.
– Não, é claro que não. Eu sei. Mas ela quer, ela quer se afogar completamente, e se perder. Dá pra perceber, pelo jeito que ela te olha. Não quer só nadar um pouco. Você é… Uma ilha, e ela não quer passar as férias, quer viver o resto da vida lá, de um jeito ou de outro.
– Gosto um pouco mais dessa metáfora. Mas mesmo assim…
– Eu sei, eu sei, parece horrível. Talvez seja o meu jeito de falar. Eu acho que é. Horrível, quero dizer. Vai ser tão difícil pra ela.
– Não quero que seja difícil pra ela.
Sabia que eu estava sendo repetitiva, mas não conseguia dizer nada mais.
– Eu sei que não. – Ele suspirou outra vez. – Você não tem outra escolha.
– Queria que ela olhasse para mim como se eu fosse um porto, um lugar seguro pra ela parar. Longe do mar, do oceano, e da correnteza.
Mordi o lábio, e parei de falar por um segundo, mas ele não respondeu.
– Não quero ser a correnteza.
– Bom, alguém tem que ser, né?
– Eu sou a melhor amiga dela. Não é o meu papel. Você… É o seu papel, ser a onda, e o vento, e a adrenalina. É o seu papel ser o penhasco do qual ela quer se atirar, porque a sensação é tão boa. – Minha voz assumiu um tom acusatório, e eu não me parei. – O meu papel é ser o colchão esperando ela cair.
– Eu também não quero ser o penhasco, mas você sabe o que mais? Eu bem que preferia, considerando minha outra opção, que é ser uma paisagem antiga. – Ao contrário de mim, percebi que ele se forçou a acalmar o tom da voz. – E eu odeio essas metáforas, você sabe disso.
– Foi você que começou.
Silêncio.
– Eu não quero que você seja uma paisagem pra ela.
Nada, ainda.
– Ela ia ser mais feliz com você.
Um longo suspiro saiu da boca do garoto.
– Eu sei. E ela também. Mas não é como se importasse.
E eu pude sentir a mão dele segurar a minha, com força, com urgência. Nem sequer me olhou. Só apertou os nós dos meus dedos, durante mais minutos do que eu saberia dizer, e então fechou os olhos.
– Cuida dela pra mim. Pode ser?
E eu apertei os dedos dele de volta.